quinta-feira, 9 de maio de 2019

Alfarrobeira de J. Rosa G.



Nas salas da Grande Guerra do Museu Militar de Lisboa, decorre a décima intervenção integrada no projeto Evocação arte contemporânea (2016-2019), intitulada Alfarrobeira. Com esta intervenção, de J. Rosa G., as salas da Grande Guerra deste museu são confrontadas com uma homenagem ao Infante D. Pedro (1392-1949), um príncipe perdido no campo de uma batalha nas margens da ribeira de Alfarrobeira, próximo de Alverca, no dia 20 de maio de 1449.
Sendo um príncipe culto e amado por todos, profundo conhecedor do seu tempo, a sua morte alterou o rumo da história porque sem esta batalha e com D. Pedro, tudo teria sido diferente.
E a Grande Guerra que se evoca aqui, sendo uma guerra mundialmente assumida por todos, com muitos soldados desconhecidos de ambas as partes, é igualmente uma ocorrência que alterou o rumo da história. Sem ela tudo seria diferente.
Esta relação entre estes dois momentos, pode ser descoberta na sensibilidade própria do investigador-artista que relaciona o irrelacionável, que diz o indizível, que questiona incessantemente as origens das coisas e dos factos, sempre com uma atitude construtiva de perspetivar outros futuros.
Verificamos que as coincidências entre estes dois factos são o tempo e os lugares percorridos por todos aqueles que buscam soluções para o mundo, tanto de forma consciente como de forma natural. Lugares como Arras, Bruges, Gante, Bruxelas, Lovaina, Nuremberga são por onde passaram o infante D. Pedro em 1425-26, seguramente o primeiro português a viajar pela Europa, numa longa viagem que o leva a conhecer cinco países ao longo de dois anos, num périplo que enquadra a sua grandeza intelectual, cultural e humanista.
São também estes lugares, onde, entre 1916 e 1918, milhares de soldados deram as sua vidas por causa das raízes de uns e de outros. Soldados desconhecidos, não por não se saber a sua identificação, mas porque não lhes foi dado o tempo necessário para nos disserem o que eram e qual seria a sua missão no mundo. Soldados desconhecidos evocados neste evento sob o pretexto do infante D. Pedro, um príncipe português do século XV, humanista, a quem não foi dado o tempo e o espaço para exercer o seu saber. Se o fosse tudo seria diferente.
O que J. Rosa G. nos propõe é o questionamento do destino perante a vida e a morte, perante a “pedra-príncipe” e o “pranto”, perante a sensibilidade estética própria de um artista ao escrever um livro-obra como lugar de registos do pensamento vivo e universal, em sintonia com o seu tempo. Uma evocação dos desconhecidos de uma guerra grande e mundial e de uma batalha nas margens de uma ribeira salientada pela relevância da sensibilidade histórica e estética de J. Rosa G. Temos deste modo três tempos, 1449, 1918 e 2019 em sintonia, por intermédio da estética de uma obra que inevitavelmente nos supera a todos.
Uma obra que resulta de investigação histórica, de pensamento estético, de intuição envolvida na procura da essência da arte. Um livro sobre Pedro e Pranto, sobre a força do ser e a emoção, sobre a questão da falta e da ausência, sobre o destino. Pedro e Pranto é um pensamento sobre como o mundo poderia ser diferente se uma batalha, se uma guerra não tivessem existido, se não houvesse necessidade de prantos, se os homens se tivessem entendido pela palavra ou pela arte, e não se servissem apenas destas como instrumentos de poder.

Ilidio Salteiro, 2019