GRAVIDADE
MUSEU MILITAR DE LISBOA
7 DE DEZEMBRO A 25 DE JANEIRO DE 2018
GRAVIDADE
Inauguração: 12 de dezembro de 2017 às 17:30h
José Teixeira. Gravidade, 2017. Instalação escultura com formatos e dimensões várias
GRAVIDADE
Cai chuva, granizo e neve. Uma
chuva diluviana e gélida.
Não
sinto os pés. A roupa encharcada cola-se ao corpo. Se ao menos pudesse trocar as peúgas e enxugar as botas. Chove há meses. A trincheira acumula a água.
Vivemos num charco nauseabundo. Chove e o frio glacial sobe das falanges até à nuca. Às vezes
ficamos submersos até à canela. Quando a chuva cessa
e a água
escoa, é a
lama. A trincheira é
um pântano
que, ao movermo-nos, nos cola ao chão. Descalçamos as botas. Torcemos as meias
esburacadas. Voltamos a calçar as botas
descosidas e rôtas de tanto esperar.
Porque esperamos? Às vezes
deseja-se a morte - imagino-me a saltar a trincheira e a correr louco e
desesperado em direção à linha de fogo do inimigo que está entrincheirado
cinquenta metros à frente. Uma bala num órgão vital e num segundo tudo se
consuma. Acaba-se a espera infindável, o medo, a morrinha nos ossos, o lento
apodrecimento nesta metamorfose da lama. Lama, eis o que somos. Foi para isto que alguém insuflou de vida o pó
primordial. O sofrimento é tanto que nos deixa o corpo dormente. Perdemos a noção do tempo. Que dia é hoje? A cabeça zune com o fragor dos estampidos. Quantos
dias se passaram desde que nos enterraram aqui vivos? É de novo noite. E nós aqui encurralados debaixo do
ensurdecedor silêncio.
Uma trégua.
Passo a passo percorre-se o caminho (às vezes sem sair do
mesmo sítio) que conduz cada um ao seu destino.
Gravidade, com tudo o que tem de
ambíguo, consta de uma instalação escultórica, que contou com a participação de
setenta e sete pessoas, homens, mulheres e crianças entre os dez e os
oitenta anos. O projeto, iniciado em Abril de 2016, partiu da ideia de representar
um centésimo das vítimas portuguesas na grande guerra [1]. A evocação
dos que morreram há cem anos serve para lembrar, no presente, os milhares de
migrantes, os refugiados,
oriundos de zonas de conflito bélico, as crianças soldados recrutadas por grupos
extremistas e, simultaneamente, para celebrar a vida simbolicamente
representada nos setenta e sete participantes que comigo colaboraram na elaboração
deste trabalho.
José Teixeira, 2017
Nota curricular: José Teixeira (1960) escultor,
professor e investigador, é professor de Escultura na Faculdade de Belas-Artes
de Universidade de Lisboa desde 1998. Paralelamente à atividade docente
desenvolve trabalho como conferencista e ensaísta nas áreas da escultura e arte
pública. Enquanto escultor expõe regularmente desde 1980. Realizou algumas
obras em espaço público. A partir de 1995 dedicou-se também à medalhística (tem
cerca de meia centena de medalhas editadas) e à numismática (autor de duas das
moedas do Euro 2004, do Mundial 2006 e dos Jogos Olímpicos de Pequim 2008, dos
40 anos do 25 de Abril, 2014).