MANUEL GANTES

Museu Militar de Lisboa

7 de novembro a 7 de dezembro de 2017

Inauguração: 7 de novembro de 2017, 17:30h





CAMPO SANTO

Campo Santo, terra queimada.

Cristos das trincheiras. Céu negro, sem luz, linhas de sombra. A pintura como evocação de um tempo transversal, um tempo que nunca se repete e no entanto é um tempo de desgaste. Sombra celeste.
Flandres, vale da ribeira de La Lys, dia 9 de Abril de 1918, os soldados portugueses são massacrados pela máquina de guerra alemã.
A consciência, as trincheiras do medo e da impotência que se abatem penosamente sobre este pequeno país, o fogo, as chamas, a guerra, as vítimas, no limite todos vítimas mas uns mais que outros. Os outros.
Écran branco ou negro? Rarefação ou saturação? Natal, Páscoa, Carnaval ou Quaresma?
Pontuação, valor estrutural? O quadro, o enquadramento é limitação necessária. O quadro dentro do quadro. Visível e legível. Inconsciente?
Um conjunto. O todo e as partes. Vasos comunicantes. Quadros de guerra. Linha de fogo. Fio de tempo. Sempre fora de campo mesmo nas imagens mais fechadas – porque existe a imagem espiritual. Ou a imortalidade cósmica (Borges) ou o infinito azul (Poe). Que realidade espiritual?
Espaço e tempo (para Borges, em pensamento, podemos prescindir do espaço mas não do tempo).
Os sentidos… O tempo flui… O tempo é movimento perpétuo… somos coisas nos espaços do tempo… A memória é feita, em boa parte, de esquecimento… a memória é morte (el olvido es la muerte)… A invenção da eternidade… A memória: o presente do passado. Para Platão o tempo era a imagem móvel da eternidade… No entanto o ser é mais que o universo, mais do que a eternidade.
Tudo é superfície… e a economia? A economia da superfície…
O momento presente: o presente contínuo fora do tempo …
Presente contínuo. O outro nós. O outro em cada um. Fora de campo. Enquadramento: a ordem do visível?... geometria da guerra. Divisão, deriva. Divisível. Cristo nas trincheiras… Perspectiva no tempo, horizonte, ponto de vista… estado primitivo. a tendência escondida, plano destruído.
Linhas de luz. Luz negra. Sombras de luz. Restos de Luz. Rastros de luz. Morrem amando. Fuga para a frente. Mater natura. Alma Mater. Ver a luz. Restos de luz. Luz morta. Memória de luz. Linhas de Lys. Céu sem cor, cristos de guerra, cristos da guerra. Cristos das trincheiras. Nós fomos os outros.
“ (…) Fala-se antes e sobretudo de desvios, de escapatórias, de falsos caminhos. E quem hoje vive num país europeu sabe como muitos não resistem à tensão atroz – uma tensão que se estende do conflito pessoal entre a necessidade de repouso e a capacidade de decisão, que se estende da necessidade material mais simples e inadiável às questões mais gerais e no entanto prementes da política, do futuro económico, social e cultural – uma tensão a que ninguém escapa ileso. E se, não obstante, a juventude tenta escapar ilesa, por conscienciosa que seja no modo como interprete a sua fuga, ainda assim traz na testa a marca de Caim, a marca de quem traiu o irmão.”[1]
A exposição consta de cerca de duas dezenas de pequenas pinturas criadas expressamente para a ocasião, instaladas provisoriamente no espaço do Museu Militar.

Manuel Gantes, Roma-Lisboa, Agosto/Setembro de 2017.




[1] Annemarie Schwarzenbach, “Morte na Pérsia”, p.14. Tradução de Isabel Castro Silva, tinta-da-china, Lisboa, 2008.













Campo Santo, 2017. Museu Militar de Lisboa.


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Manuel Gantes (Figueira de Castelo Rodrigo, 1967).
Licenciado pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa - FBAUL em 1990, Mestre em Pintura pela Faculdade de Belas Artes de Lisboa em 2004. Foi professor na Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha e atualmente é professor de Desenho na Faculdade de Belas Artes de Lisboa. Tem um currículo bastante extenso de exposições coletivas e individuais e está representado em inúmeras coleções públicas e particulares.